Empresa francesa quer construir turbinas eólicas em área endêmica de ave na Caatinga, o projeto pode destruir o habitat da arara-azul-de-lear e criar risco de colisões fatais

Canudos, 23 de julho de 2021 – Após uma forte mobilização na mídia e na plataforma de abaixo-assinados online, Change.org, o Ministério Público Estadual da Bahia (MPBA) expediu, na última segunda-feira, dia 19, recomendação ao Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia (Inema) e à empresa Voltalia Energia do Brasil Ltda. para a suspensão das atividades de implementação de um parque eólico no município de Canudos. A empresa de energia francesa Voltalia iniciou a instalação de um complexo de energia eólica em local que se sobrepõe exatamente à área que é uns dos principais refúgios da arara-azul-de-lear (Anodorynchus leari), uma espécie globalmente ameaçada de extinção, no município brasileiro de Canudos, na Bahia. O projeto pode impactar drasticamente o habitat da espécie e, uma vez em operação, coloca a espécie em risco de colisões fatais com as 96 turbinas eólicas que compõem o empreendimento e que, segundo a recomendação do MPBA, a instalação do empreendimento pode causar ‘impactos irreversíveis para a fauna da região e para as comunidades tradicionais’. Junto com essa medida, a Fundação Biodiversitas irá propor ao MPBA a criação de um grupo técnico de alto nível para assessoramento e acompanhamento dos estudos, em suporte à equipe técnica atual da empresa que a orientou de forma equivocada e precipitada sobre o trabalho a ser feito com as araras. ‘Estamos muito felizes pelo MPBA ter se envolvido neste processo e exigido do Inema que ele cumpra as determinações legais do licenciamento ambiental estadual. O Inema cometeu uma falha grave ao conceder a licença à empresa sem exigir estudos específicos sobre o impacto do complexo eólico sobre as araras-azuis-de-lear, uma espécie globalmente ameaçada de extinção. A empresa, por sua vez, aproveitou dessa falha e preferiu ignorar o problema, insistindo em dizer que possui as licenças adequadas ao projeto. O ideal seria que o projeto eólico em Canudos, na rota das araras, fosse cancelado. Os estudos vão mostrar isso e a Voltalia vai chegar à conclusão que terá que rever seus planos no Raso da Catarina,’ afirma Glaucia Drummond, superintendente geral da Fundação Biodiversitas. Antes dessa vitória, uma jovem ativista da causa animal, Náthaly Marcon de 18 anos, criou uma petição online, na Change.org, cuja a Fundação Biodidiversitas é co-autora, solicitando a interrupção do projeto com a intenção de minimizar os impactos a esta espécie icônica. Após a petição alcançar mais de 65.000 assinaturas, principalmente no Brasil e na França, a plataforma mediou uma reunião entre o CEO da Voltalia no Brasil, Robert Klein, e os peticionários, na qual foi solicitada à empresa o realocamento do Complexo ou, também, a realização de Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) antes de continuarem com as obras, entretanto, o pleito foi sem sucesso. A empresa alega que possui todas as licenças ambientais e, mesmo reconhecendo que não dispõe de dados científicos confiáveis, afirma que os eventuais riscos à espécie serão mitigados no curso da operação do Complexo. Nesse sentido, a Voltalia diz que pretende lançar mão das melhores e mais modernas tecnologias para evitar a mortandade das araras, mas também não disse quais seriam essas medidas inovadoras. Sabidamente, pintura de pás de hélices e controle do funcionamento circadiano dos aerogeradores não surtem efeitos suficientemente efetivos para evitar as colisões de aves. ‘A localização adequada é, de longe, a parte mais importante para minimizar os impactos de uma instalação de energia eólica sobre as aves”, revela Joel Merriman, Diretor da Campanha de Energia Eólica Bird-Smart da ABC. ‘Nesse sentido, este projeto falhou grosseiramente. A arara-azul-de-lear tem muitas características que a tornam de alto risco para colisões fatais com turbinas eólicas e a empresa não propõe nada de valor que minimizaria o risco. Esta instalação eólica é baseada em poucos dados e representa perigo demais para uma espécie demasiadamente sensível. ‘ Apesar de a RESOLUÇÃO CONAMA 462 de 24 de julho de 2014 e a RESOLUÇÃO CEPRAM 4.636, DE 28 DE SETEMBRO DE 2018 preverem a obrigatoriedade do EIA/RIMA nos licenciamentos de complexos eólicos em áreas de ocorrência de espécies ameaçadas de extinção e em áreas de endemismo restrito, conforme listas oficiais, o Inema, mesmo ciente de que essa condição se cumpre no caso do Complexo Eólico Canudos em relação às araras de Lear, não exigiu que a Voltalia se aprofundasse nos estudos e, portanto, vem concedendo as licenças em desacordo com a legislação ambiental. Por essa razão, a empresa afirma ter todas as licenças ambientais para o empreendimento. ‘Este fato é irrefutável, porém, essas autorizações decorrem de uma falha técnica grave do órgão licenciador, sendo conveniente para a Voltalia desconsiderar o problema e desprezar a importância da realização do EIA’, ressalta Gláucia Drummond, da  Biodiversitas. A Fundação Biodiversitas é uma organização conservacionista que atua em prol da conservação da biodiversidade brasileira, sendo voltada especialmente para as espécies ameaçadas de extinção, seja por meio da geração de estudos que subsidiam a formulação de programas para políticas públicas ambientais, seja com ações diretas de proteção às espécies e seus habitats. Em Canudos, a Biodiversitas foi pioneira em inaugurar no ano de 1992 o programa de conservação da arara-azul-de-lear, contribuindo sobremaneira para a recuperação populacional que a espécie vem experimentando nas últimas décadas principalmente. A Estação Biológica de Canudos, também conhecida como Toca Velha, resguarda mais da metade da população atual da espécie. Em parceria com o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres (Cemave), órgão vinculado ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a Biodiversitas realiza censos populacionais anual e/ou bianualmente, além de apoiar o Inema nas ações de fiscalização ambiental na região. Gláucia Drummond revela estranhar o afastamento dos órgãos ambientais estadual e nacional, Inema e Cemave, já que a Biodiversitas mantém um histórico de relacionamento profícuo com ambos, além do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), no que diz respeito à proteção das araras. Neste caso, mesmo que o órgão estadual tenha se equivocado na concessão da Licença Prévia (LI) à Voltalia, não se pode desconsiderar a parcela de responsabilidade do Cemave sobre o que está acontecendo.  Afinal, a arara-azul-de-lear está presente na lista de espécies ameaçadas do Estado da Bahia. como também na lista vermelha oficial do país, sendo o Cemave a instituição, em nível federal, que tem como atribuição a elaboração e coordenação de Planos Nacionais (PAN) para a conservação de espécies de aves brasileiras ameaçadas de extinção. Se a empresa concordasse em realizar os estudos de acordo com o escopo definido na legislação para empreendimentos de geração de energia elétrica a partir de fonte eólica em ambiente terrestre, a caracterização populacional da espécie e de suas respectivas distribuições espacial sazonal na área do Complexo Eólico Canudos estariam, minimamente, asseguradas (Anexo 1 – item 5.5 da Resolução Conama 462).  Para se defender da necessidade de apresentação prévia dos estudos, das análises dos impactos sobre as araras e consequente definição da viabilidade da operação do Complexo naquele local, a Voltalia quer convencer a sociedade de que o monitoramento contínuo do comportamento das araras frente aos aerogeradores substitui o EIA na fase da Licença Prévia do licenciamento ambiental. Ao monitoramento da sobrevivência das araras com o Complexo em operação, a Voltalia está denominando programa de “conservação” da arara-azul-de-lear. Pesquisadores contratados pela Voltalia afirmaram durante a reunião que parques eólicos são mais prejudiciais às aves planadoras, mas também, quando questionados, não conseguem estimar o que poderá acontecer com as Learis – espécie classificada em uma das mais altas categorias de extinção, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). Para situações como essa, onde lacunas de conhecimento não permitem a tomada de decisão com segurança, se aplica então um dos princípios da Convenção da Diversidade Biológica (CDB), da qual o Brasil é signatário: ‘quando existe ameaça de sensível redução ou perda de diversidade biológica, a falta de plena certeza científica não deve ser usada como razão para postergar medidas para evitar ou minimizar essa ameaça’, afirma Gláucia Drummond. ‘É desconcertante que alguém sequer considere a instalação de um complexo eólico no habitat de uma espécie em perigo de extinção, segundo a IUCN e a Lista Oficial de Espécies da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção do Ministério do Meio Ambiente (MMA), quanto mais aprovar um projeto que desconsidera as exigências da legislação brasileira afirmada no Conama que determina que, “em áreas de ocorrência de espécies ameaçadas de extinção e áreas de endemismo restrito, conforme listas oficiais,’ comenta Mike Parr, presidente da American Bird Conservancy (ABC). Parr acrescenta ainda que, ‘a construção de uma instalação eólica na rota do voo das araras colocaria em risco ganhos de conservação tênues e duramente conquistados. Graças a décadas de esforços de conservação liderados por organizações brasileiras, como a Fundação Biodiversitas, aproximadamente 1.800 araras-azuis-de-lear agora voam livres no céu do Raso da Catarina, na Bahia. Mas a existência desta espécie já foi questionada – as populações despencaram para um mínimo de 60 pássaros na década de 1980 devido ao tráfico e outras ameaças. O trabalho para manter populações sustentáveis ​​está em andamento – problemas persistentes como caça furtiva de filhotes para o tráfico ilícito, eletrocussão em linhas de transmissão e crescimento insuficiente de seus principais recursos alimentares continuam a atrapalhar os esforços. Porém, ao contrário daquilo que os especialistas em aves da Voltalia argumentaram na reunião, adicionar um ou mais parques eólicos à lista poderia reverter a trajetória positiva de recuperação desta espécie. A ecorregião do Raso da Catarina na Caatinga, onde o complexo eólico é proposto, é globalmente importante para a conservação. É reconhecida como um dos sítios da Aliança Brasileira para Extinção Zero (BAZE), devido à presença da arara. Esta área também é denominada como Área-Chave para a Biodiversidade por um grupo de organizações de conservação global. Além disso, a ave proporcionou benefícios econômicos à comunidade local por meio do ecoturismo. Todos os anos, observadores de pássaros de todo o mundo viajam para a área para ver a arara-azul-de-lear. Isso incluiu turistas de 18 países apenas em 2019, de lugares como Canadá, Reino Unido, Noruega e Taiwan. ‘Há muito em jogo neste projeto’, diz Parr. ‘Precisamos de energia renovável para combater as mudanças climáticas, mas temos que ser inteligentes sobre onde colocar as turbinas eólicas. Este projeto não faz nada disso, colocando em risco uma espécie já em perigo. Os planos devem ser revisados ​​para mover as turbinas para locais de baixo risco ou devem ser totalmente abandonados.’ #UmaAraraImporta #HáUmaAraraNoMeioDoCéuDaBahia                                                                         ### Sobre a Fundação Biodiversitas Instituição sem fins lucrativos com sede em Belo Horizonte que, desde 1988, se dedica à conservação de espécies ameaçadas de extinção, ao gerenciamento de quatro reservas privadas, que juntas protegem mais de 3 mil hectares localizados nos biomas da Mata Atlântica e Caatinga e ao desenvolvimento de estudos científicos aplicados ao aprimoramento das políticas públicas e à instrumentalização da gestão ambiental no Brasil. Contato imprensa: Marcele Bastos comunicacao@linux.biodiversitas.org.br (31) 99991-5089 *Fotos do habitat e da arara-azul-de-lear podem ser obtidas mediante solicitação. Resolução Conama e Resolução Cepram – ambas estabelecem, em nível nacional e estadual, respectivamente, procedimentos para o licenciamento ambiental de empreendimentos de geração de energia elétrica a partir de fonte eólica em superfície terrestre. Conama – Órgão criado em 1982 que estabelece a Política Nacional do Meio Ambiente -, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) é o órgão consultivo e deliberativo do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA. Em outras palavras, o CONAMA existe para assessorar, estudar e propor ao Governo, as linhas de direção que devem tomar as políticas governamentais para a exploração e preservação do meio ambiente e dos recursos naturais. Além disso, também cabe ao órgão, dentro de sua competência, criar normas e determinar padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida. Cepram – o órgão superior do Sistema Estadual do Meio Ambiente (SISEMA) de natureza consultiva, normativa, deliberativa e recursal do Estado da Bahia. Tem por finalidade o planejamento e acompanhamento da política e das diretrizes governamentais voltadas para o meio ambiente, a biodiversidade e a definição de normas e padrões relacionados à preservação e conservação dos recursos naturais. InemaInstituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia (Inema-BA) tem por finalidade executar as ações e programas relacionados à Política Estadual de Meio Ambiente e de Proteção à Biodiversidade, a Política Estadual de Recursos Hídricos e a Política Estadual sobre Mudança do Clima. CemaveCentro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres (Cemave), órgão vinculado ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e ao Ministério do Meio Ambiente (MMA).